Por que Wall Street sobe há 11 anos e o resto do mundo não?

O ano de 2019 foi excepcional para as Bolsas de Valores do mundo inteiro. Em particular para o mercado de capitais dos Estados Unidos, com Wall Street que registrou um crescimento superior a 27%. Um desempenho raramente registrado em um só ano no passado.

A década que se encerra neste 31 de dezembro de 2019 foi emocionante para Wall Street, que chegou a crescer 187%. Ainda mais se consideramos que seu ciclo de alta durou quase 11 anos: o mais longo da história.

Por outro lado, essa foi uma década a ser esquecida na Europa. Nos últimos 10 anos o índice Stoxx marcou um aumento de nem 64%, um terço de quanto registrado pelo S&P500. Um resultado fraco, obtido apenas graças à estabilidade de Londres e Zurique.

O balanço da área do euro termina com um progresso escasso de 26% do EuroStoxx 50. Algo que resultaria em uma substancial imobilidade se convertido em dólares, uma vez que o euro perdeu quase 20% em comparação a moeda norte-americana no mesmo período de tempo.

Todavia, é preciso salientar que o ano que está terminando foi muito bom também para os mercados europeus. As principais Bolsas de Valores do Velho Continente subiram 23%. A Bolsa de Milão, na Itália, foi a melhor da Europa, com 30% de valorização, sendo a terceira que mais cresceu no mundo, apenas atrás do Nasdaq e da bolsa de Shenzhen, na China.

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Entretanto, esse resultado positivo não permitiu uma recuperação ao longo dos últimos 10 anos.

O Brasil, infelizmente, está fora dessa análise, pois a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) registrou uma “década perdida”. Mesmo se em 2019 o Ibovespa registrou uma valorização de 31,58%, o melhor resultado dos últimos 3 anos, de 2010 até 2015, ou seja, mais da metade do período, a perda acumulada foi de – 56,19%. No dia 1º de janeiro de 2010 o principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo registrava 70 mil pontos. Em janeiro de 2016 chegou a 40 mil.

Diferença entre Wall Street e o resto do mundo

Segundo o  jornal The Wall Street Journal, essa gigantesca diferença entre os índices norte-americano e europeu está ligada a escassez de ações de empresas de tecnologia na Europa, onde representam apenas 6% do índice, contra 25% das ações tecnológicas cotadas no S&P500. São esses tipos de papeis que geraram mais da metade das altas acumuladas desde 2010.

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Além disso, segundo o banco de investimento Goldman Sachs, boa parte do crescimento dos lucros registrados no período também seria atribuível as ações de meia dúzia de grandes empresas do setor tecnológico. Nesse caso, todavia, é preciso salientar que o resultado foi inflado em grande parte pelo corte de impostos decidido pela administração do presidente Donald Trump.

Entretanto, a verdadeira razão desse diferencial entre a performance das bolsas dos EUA e da Europa está no desastre da economia da zona do euro. Os países da área monetária comum europeia entraram em recessão entre 2011 e 2012. Além disso, seus bancos se demonstraram mal preparados em comparação aos americanos em enfrentar dificuldades. E o sistema produtivo europeu está orientado para a exportação, e não para o consumo interno como o dos EUA. Uma posição que entrou em crise nos últimos anos por causa da desaceleração do comércio mundial, ainda mais enfraquecido pela recente onda protecionista iniciada por Trump.

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Por outro lado, não existe nenhuma certeza que essa década feliz na Bolsa de Valores dos EUA volte a ocorrer no futuro. Isso pois Wall Street está negociando atualmente em múltiplos de mais de 18 vezes o lucro (15-20% a mais que o Stoxx). Ainda mais se os preços das ações de tecnologia parecem indicar o risco de bolha especulativa, como sugeriu recentemente o Bank of America (BofA), e os lucros corporativos operacionais não crescem há 4-5 anos, apesar dos ganhos por ação inflados por recompras e práticas contábeis muito questionáveis.

Mesmo com essas perplexidades, a economia dos EUA, assim como o desempenho de sua Bolsa de Valores, parece destinada a um futuro melhor em comparação com a União Europeia. A UE tem que atuar com um sistema de produção que precisa ser revisto, além de uma forte instabilidade política, a construção do euro – que continua incompleta – e o rápido envelhecimento demográfico.

As previsões também nem sempre acertam. Se há doze meses os operadores temiam uma catástrofe econômica, o ano se demonstrou excepcional. Hoje, porém, os mesmos operadores dizem prever um 2020 brilhante, enquanto uma nova recuperação estaria se preparando, com os bancos centrais cada vez mais favoráveis a mais estímulos monetários e os governos também inclines a fazer sua parte em termos de políticas fiscais expansivas. Mas de todo esse céu de brigadeiro, atualmente não existem dados macroeconômicos. As pesquisas mais recentes da consultoria Markit indicam uma estagnação persistente na atividade industrial e nos serviços, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa.

A novidade está apenas na “fase um” do acordo comercial entre a China e os EUA. Mas é algo que representa apenas metade do esperado pelos analistas, sendo uma simples queda simbólica nas tarifas. A perspectiva de uma “fase dois”, na ilusão de que podemos voltar à situação anterior a presidência Trump, poderia ser uma mera ilusão.

A outra notícia é o resultado das eleições britânicas, que devem finalmente dar início a um Brexit não muito confuso. A reação eufórica dos mercados à estrondosa vitória do conservador Boris Johnson deixa claro que os operadores enfatizam apenas a remoção de riscos, independentemente de fatores macroeconômicos.

Por exemplo, o índice S&P500 cresceu sempre após novidades em dois fatores: mudanças na política do Banco Central dos EUA (Fed) e as repetidas expectativas de um acordo comercial iminente. Quando Trump começou a ameaçar de impor novas tarifas sobre produtos chineses há 22 meses, o índice estava em cerca de 2.780 pontos. Hoje o índice vale 3.200 pontos, com um aumento de 15%, enquanto os lucros de 2019, que na época se previa teriam crescido 10%, terminaram o ano com crescimento zero.

Fim da guerra comercial é novo ciclo de alta?

O possível fim da guerra comercial – que no final das contas não gerou sérios danos para a economia dos EUA, poderia paradoxalmente fortalecer o dólar e já ter sido precificada em Wall Street?

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Essa “fase um” do acordo comercial gerou uma euforia bem descrita na pesquisa mensal do Bank of America. O risco de uma recessão, temido pela maioria dos analistas nos últimos meses, desapareceu, a liquidez nas carteiras está em mínimos históricos e a recuperação econômica parece acelerar no ritmo de dois anos atrás. Os investidores nunca estiveram tão cheios de ações como estão agora e Michael Hartnett, estrategista do BofA, previu que o S&P chegue a 3.333 pontos no dia 3 de março. Falta apenas 4% para alcançar esse resultado. Com a euforia que se respira em Wall Street, parece uma meta muito modesta.

Carlo Cauti

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