Brasileiro precisa de risco, mas não pode fazer loucura, diz gestor da Sparta

Que o investidor brasileiro terá de começar a tomar riscos já está virando clichê no mercado. Isso, contudo, não quer dizer que quem busca retornos maiores, em meio a queda da Selic, precise fazer loucuras com o dinheiro.

A avaliação é de quem trabalha com risco. De acordo com Artur Nehmi,  gestor da Sparta, especializada em fundos de crédito privado, o brasileiro deve mesclar bem os investimentos para obter bons retornos e preservar o capital.

“Ninguém precisa fazer loucura, mas se o investidor não tomar risco, não terá um investimento muito atrativo no curto prazo. Agora, não quer dizer que ele não deveria investir nisso.

A gestora, que aloca mais de 90% dos recursos sob gestão em fundos de crédito, foca na análise micro para oferecer oportunidades de crédito privado a investidores sem tanto risco.

“A gente não olha muito o cenário macroeconômico, a gente não toma decisão de investimento com o que eu estou achando da economia, com jurosou câmbio”, afirmou Nehmi.

“A análise de crédito é muito mais micro: qual o risco daquela empresa não me pagar. No dia a dia a gestão é muito mais baseada em aspectos micro”, disse.

Segundo Artur Nehmi, a Sparta vê uma mudança profunda no mercado de crédito no país e que o Brasil deve voltar a crescer, de maneira mais substancial,  no ano que vem. Confira a entrevista exclusiva ao SUNO Research:

-Qual a filosofia de gestão da Sparta?
A Sparta tem 25 anos gerindo recursos de terceiros. Desde 2005 com fundos, antes eram carteiras administradas e, desde 2012, a gente começou a fazer fundos de credito privado, que na época não eram tão comuns, e a gente achava que faria sentido para o perfil de investidor que tem o brasileiro, mais conservador

Desde então estamos focando nessa área, agora é core business da empresa, cerca de 99% dos nossos recursos estão em crédito privado e a gente tem uma família de fundos e estamos nos especializando a cada tipo de investidor se adaptar ao fundo. É a mesma gestão, a mesma equipe, mas para investidores diferentes. O investidor fundo de pensão ele tem uma questão regulatória, por exemplo, para comprar esse tipo de ativo de crédito.

Já uma pessoa física não tem essa restrição, mas há uma lei que para PF existe uma isenção fiscal nas debêntures incentivadas, então isso pode ser empacotado em um fundo.

Então fomos montando produtos para cada tipo de investidor, mas com a mesma filosofia de gestão.

-Como vocês estão vendo o mercado de crédito no País?
A gente sempre teve um mercado bem peculiar. Você tinha um BNDES que se posicionava como o financiador de infraestrutura no país, então qualquer investimento de infraestrutura só fechava conta com funding do BNDES porque a Selic era muito alta, a Selic e todo o mercado era meio viciado no CDI e hoje vai ter que se “desviciar” pois o CDI está em níveis que não faz sentido esse vício, e a partir do momento que o BC topa remunerar no overnight a 14% ao ano, não faz sentido você emprestar dinheiro, correndo risco, a uma taxa mais baixa.

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Então, antes, com uma taxa de 14%, o projeto não fechava, mas você buscava uma taxa de 7%, aí o mercado passa a fechar, mas para isso o dinheiro tinha que vir do BNDES.

O BNDES não tem balanço para tudo isso e uma hora esse modelo não ia mais funcionar e, em 2015, chegou no extremo e os bancos públicos que em um primeiro momento tentaram segurar na marra a economia liberando crédito acabaram passando por um período de ajuste e agora há uma desestatização do crédito.

Até meses atrás, o marketshare dos bancos públicos era mais de 50%. Agora, os bancos privados já passaram e BNDES, Caixa e BB estão encolhendo carteira de crédito e vão continuar fazendo isso enquanto os privados estão aumentando pois, apesar de as coisas estarem crescendo de forma mais lenta do que se esperava ela estava melhorando, a crise está passando.

Os bancos estão animados, estão emprestando dinheiro e a saída do banco público abre espaço tanto para o banco privado quanto para o mercado de capitais.

-E como isso atinge as empresas?
Geralmente, uma empresa muito pequena está meio que no varejo, alguém terá que prover esse dinheiro. Como é um volume pequeno, não faz sentido você buscar um “pool” de investidores pois, geralmente, ela tem um risco maior e um modelo bancário é muito mais adequado para prover o crédito para aquela empresa.

Já uma empresa grande tem mais alternativas, além do volume de dinheiro que ela necessita é muito maior e só um banco as vezes não consegue fornecer. Então essa empresa vai buscar nos bancos, em pool de investidores, principalmente se for uma empresa de risco baixo, ele pode emitir um título, uma debênture ou uma nota promissória, ele emite um título ao invés de pedir para os bancos.

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Então ele vai diretamente aos investidores, tirando o banco de intermediário. Então esse é o mercado que a gente opera.

Ele vem crescendo bastante nos últimos anos, mesmo que em 2015 e 2016, a economia estava mal, mas a troca pela TLP tira o subsídio da taxa que ele empresta e a Selic passou a cair e houve uma conquista de credibilidade pelo BC e conseguiu baixar os juros aos poucos e isso fez com que o mercado de capitais fosse extremamente competitivos.

Da parte da oferta de títulos vem crescendo bastante, justamente pela taxa Selic, principalmente pelo BC ser o agente desenvolvedor do mercado de capitais.

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Já da parte da demanda, dos investidores, ele vem vendo seus investimentos associados ao CDI cada vez mais baixo. Então ele tinha o 1% ao mês livre de imposto, mamão com açúcar, então agora ele teve que sair da zona de conforto, investir em crédito para tomar um pouco mais de risco para ter retorno.

-Do lado da demanda, você acha que é fácil convencer o investidor a tomar risco, dado que o brasileiro nunca foi acostumado a isso?
Não só não é fácil, como hoje em pleno 2019, em torno de 3 milhões de pessoas que são investidoras de fundos. 70 milhões que são os CPFs que tem saldo na conta de poupança, então não só não é fácil como de fato não tem muita gente que investe e toma muito risco. Quem não está na poupança está no CDB do banco que rende quase a mesma coisa.

Na Bolsa, temos cerca de 1,5 milhão, que é um crescimento forte, mas menos de 1% da população brasileira ainda. Tem vários países do mundo que tem um percentual muito maior.

Acho que tem que tomar cuidado, ninguém precisa fazer loucura, mas se o investidor não tomar risco, não terá um investimento muito atrativo no curto prazo. Agora, não quer dizer que ele não deveria investir nisso. Acho que a gente oferece produtos de crédito e todos eles são pós-fixados. Qual é o atrativo? O investidor não deve compor a carteira comparando com o CDI.

Acho que a carteira de investimentos dele tem que comparar com um retorno real, de quanto ele render de acordo com a inflação, do perfil de risco dele de quanto de risco ele está dispostos a tomar, mas isso não quer dizer que você não precisa ter uma parcela do seu patrimônio investido em pós-fixado. Acho que isso você precisa ter e o motivo é que todos os ativos de risco, seja um fundo imobiliário, ações, multimercado, enfim, todos os ativos de risco tendem a ter uma correlação negativa com a taxa de juros. Se a taxa estiver muito baixa, os ativos estão sobrevalorizados. Porém, existe um risco de não dar certo já que o Brasil sempre é um país do futuro, então acho importante que o investidor tome um pouco de risco, mas tenha também uma parte segura e com uma performance razoável.

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O que a gente oferece é um pós-fixado em títulos privados. Um os pontos da nossa filosofia de gestão é oferecer um risco de crédito, mas com risco baixo o suficiente para que mesmo que a economia vá mal aquela empresa que emitiu o título vai estar performando bem. Tem empresas que performam bem só em cenário positivo e empresas que performam bem em qualquer cenário. São essas que nós queremos financiar.

-Justamente por não oferecer um risco de crédito tão alto, quais setores atraem mais a atenção de vocês?
A gente gosta bastante de empresas de setores regulados. São serviços básicos, como energia elétrica, saneamento, gás, que o consumidor não vai cortar mesmo na crise e o setor não sofre por falta de demanda e com pouca concorrência, se dando antes da empresa conseguir uma concessão. Então acaba sendo um negócio meio blindado, um monopólio de um serviço, então acaba sendo meio defensivo já que performa bem quando a economia está bem e performa bem quando tudo vai mal.

Confira: Crescimento do PIB será mais lento e sadio, diz Campos Neto

-A maioria do montante sob gestão de vocês está alocado nesse tipo de crédito?
Isso. Mas tem alguns outros setores que têm essa característica também, como o setor de locação de veículos, que é um setor bastante intensivo em capital e tem uma característica de ser anticíclico porque na crise as empresas têm a características de ter dificuldade de capital, então ao invés de ela comprar frota, ela aluga a frota. Então as locadoras de veículos tendem a ter um aumento da demanda nesse período.

Além disso, na crise, o consumidor não quer comprar carro novo, mas ele não deixa de trocar de carro. Ele compra o seminovo. Então a locadora está sempre comprando carro novo na fábrica, na crise ela compra até mais barato, e ao mesmo tempo o preço do usado em relação ao novo melhora. Acaba sendo um perfil anticíclico.

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Outro ponto importante da nossa filosofia é a diversificação pois o risco de crédito é meio binário: a empresa vai ou não vai te pagar de volta. E como você mitiga esse tipo de risco? Analisando obviamente se o negócio é bom, mas só isso não deixa o processo robusto. Então eu diversifico, pois fazendo isso é uma forma inteligente de você diminuir risco de crédito.

-E como é essa diversificação?
Hoje temos, mais ou menos, títulos de 150 emissores diferentes na carteira dos fundos.

-E eles estão captando mais para reestruturar uma dívida ou para investimento?
Essa é uma boa pergunta. O que nós temos visto nos últimos anos é que a confiança das empresas ainda está relativamente baixa. A grande maioria das emissões que temos entrado nesses anos tem sido para refinanciar passivo da empresa. Ela troca uma dívida mais cara por uma mais barata ou está pagando o BNDES e emite uma dívida mais barata no mercado de capitais. Tem também uma menor parte que é para investimentos mesmo.

-Apesar de o ambiente macroeconômico não pesar tanto na análise de crédito para a Sparta, como vocês enxergam essa recuperação econômica?
Acho que pode ter um crescimento econômico, no ano que vem, maior do que o que estamos vivendo. Tem algumas medidas que o governo vem soltando que melhoram a confiança, a própria Previdência foi uma delas e já é algo positivo apesar de limitado e que tem um efeito maior no longo prazo do que no curto, mas você tem ai algumas reformas micro que estão passando aos poucos e que podem melhorar.

Esse ano teve um impacto da Argentina e só de não ter uma nova piora lá já tende a ser um ano melhor aqui. E tem também o impacto da Selic, que vem caindo, e tem um delay até aparecer na economia real. Há uma inércia, não gera impacto em D+0, então acho que não tem motivo de ser um ano pior.

-E se acontecer um cenário externo mais turbulento, pode afetar?
Isso sim. Esse é o maior risco para ter um problema lá fora. Não dá para apostar que vai ser ruim, mas é algo difícil de prever.

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-Pelo lado do investidor, tem como se proteger de uma possível turbulência?
O mercado veio de vários anos, mais ou menos desde 2016, ele vem aumentando bastante o volume de ofertas, os investidores tomando mais risco e comprando ativos de crédito. Só que houve um certo exagero nesse movimento e ficou bem claro, entre abril e maio, que o movimento bateu em um pico e o mercado veio se acomodando em spreads de crédito, que é o retorno que o título privado paga a mais do que o título público naquele prazo. E, agora em outubro, começou uma certa realização, com os investidores saindo e dando uma “folgada” nos preços de ativos de crédito.

Pode surgir um bom ponto de entrada nessa categoria agora no final do ano justamente nesse segmento de debêntures incentivadas, que são ativos selecionados para pessoas físicas, é um bom ponto de entrada porque você chega em um preço interessante em um ativo que tem incentivo fiscal.

Uma NTN-B de cinco anos de prazo, hoje, vai render menos do que 2% real ao ano. Então o investidor vai ganhar isso e ainda vai pagar imposto. Uma debênture incentivada de grandes empresas, com baixo risco de crédito, está pagando de 3,5% a 4%. Então é um retorno bem maior, além de ser isento e, por isso, faz bastante sentido para pessoa física.

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Só que uma coisa que temos percebido é que o retorno real no Brasil sempre girou de 4% a 7%, que é sempre onde oscilou a NTN-B. Só que dessa vez a queda da Selic está sendo muito mais intensa e esse retorno está vindo para níveis inéditos. Para três anos, [uma NTN-B] vai render menos que 1% ao ano real. Que investidor que está disposto a tomar um risco por anos para ganhar menos de 1% ao ano e pagar imposto.

Para você ter 3% ao ano acima da inflação, você precisa de um prazo de dez anos. Se tirar os impostos, vai dar aí 2% de retorno real.

Como a debênture incentivada é um mercado de pessoa física, o investidor vai até o 4%. Abaixo de 4% de retorno real, ele não topa ir além.

Vinicius Pereira

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