Bolsa de Valores: ascensão e queda de 3 das maiores fraudes da história

Nos últimos dias, a Wirecard, fintech de pagamentos alemã, passou de uma das maiores promessas do sistema financeiro global para mais uma das grandes fraudes da história. A companhia perdeu 97% de seu valor de mercado ao longo do último mês. Casos similares são recorrentes quando se trata de Bolsa de Valores, fazendo com que os investidores necessitem estar sempre atentos.

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A empresa, listada na Bolsa de Valores da Alemanha, fazia parte do DAX 30, índice dos maiores empreendimentos do país. No entanto, tudo ruiu quando dois bancos das Filipinas disseram desconhecer o equivalente a aproximadamente € 2 bilhões (cerca de US$ 2,28 bilhões ou R$ 12,14 bilhões) que a Wirecard dizia ter em caixa, provenientes de lucros passados. Além disso, a empresa utilizava os chamados adquirentes de terceiros, que supostamente processavam pagamentos em nome da empresa, para passar uma falsa imagem de estabilidade financeira.

Com o escândalo, o então CEO da empresa, Markus Braun, foi preso pela polícia de Munique no fim de junho, acusado de “inflar o volume de vendas da Wirecard com recursos falsos”. A companhia, que chegou a ser avaliada em cerca de US$ 20 bilhões, deixou seus investidores – ou, ao menos, quem acreditava na proposta inovadora da fintech – incrédulos. Hoje, as ações da Wirecard são cotadas na casa de € 2.

O mais novo choque entre os mercados reacende a importância da diligência entre os investidores e órgãos reguladores, pois, hora ou outra, fraudes sempre voltam a acontecer. Confira três das maiores fraudes já conhecidas na história.

Enron

Fundada em 1985, a Enron era uma empresa comum que atuava na exploração de gás natural e na produção de energia por diversos meios. Com o decorrer do tempo, a companhia, criada por Kenneth Lay, passou a diversificar sua área de atuação, extrapolando para meios de comunicação e gerenciamento de ativos de risco e derivativos climáticos (uma espécie de seguro climático para negócios sazonais).

A empresa foi a sensação dos anos 1990 na Bolsa de Valores de Nova York (NYSE), sendo a queridinha dos investidores por conta da alta rentabilidade e do forte crescimento. A Enron Corporation chegou a ser a 7ª maior empresa dos Estados Unidos, sendo avaliada em quase US$ 70 bilhões.

Os cerca de 4.000 funcionários eram incentivados a investirem suas poupanças nas ações da companhia. Diversos fundos de pensão aderiram à onda e passaram a apostar no crescimento da companhia.

O então chefe de operações financeiras, que veio a se tornar diretor-executivo anos depois, Jeffrey Skilling, montou um esquema que beneficiaria indevidamente o balanço da Enron.

Ele usou um método chamado de “mark to market”. Trata-se de uma técnica usada por empresas do ramo de corretagem e importação e exportação. Com esse mecanismo contábil, a avaliação de um seguro é registrada em uma base diária do balanço da empresa para calcular lucros e perdas. O “mark to market” permitiu à Enron contabilizar ganhos projetados de contratos de energia de longo prazo como um faturamento corrente. Tais valores somente seriam recebidos pela companhia décadas depois.

Assim, os números da companhia eram inflados e chamavam a atenção do mercado. Tais movimentos eram possíveis pelo fato de que a empresa que auditava a gigante era de propriedade de Arthur Andersen, um dos principais executivos da própria Enron. Além disso, em todo esse processo, diversas empresas de fachada foram criadas por Andersen como pretexto para a prestação de serviços à Enron.

Sede da Eron, em Nova York.

Em 2001, quando o setor de telecomunicações passou por uma séria crise, a Enron começou a ser acompanhada de perto por investidores e pela Securities and Exchange Comission (SEC), órgão regulador do mercado de capitais norte-americano. Em meio a rumores internos de que a empresa não passava de uma fraude, Skilling e Lay deixaram a companhia alegando motivos pessoais – e passaram a proteger seus patrimônios por meio de derivativos na Bolsa de Valores.

Quando divulgada a polêmica, a empresa se viu obrigada a apresentar perdas de US$ 68 milhões em outubro de 2001, o que fez a cotação das ações caírem de US$ 86 para US$ 0,30.

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Posteriormente, a SEC concluiu que, por diversos anos, a Enron apresentou lucros muito maiores que os reais. À época, o site da companhia informou que estava “liquidando suas operações restantes e distribuindo suas posses a seus credores”.

Skilling e Lay foram indiciados em 2004 e, dois anos depois, considerados culpados. Skilling foi condenado por 19 casos de conspiração, fraude e comércio ilegal e declarações falsas, que resultou em uma sentença de 185 anos de prisão. Lay foi condenado por seis casos de conspiração e quatro de fraude bancária, sendo sentenciado a ficar 45 anos preso. O fundador da empresa faleceu em julho em 2006, enquanto estava em regime fechado.

Theranos

No caso da  Theranos, a empresa ficou muito próxima de ser cotada na Bolsa de Valores de Nova York, mas a fraude foi desvendada logo antes de abrir seu capital. Mesmo assim, milhões de dólares de investidores foram perdidos por causa de uma grande mentira.

Tudo começou com Elizabeth Holmes, ex-estudante de Stanford que em 2003 fundou a Theranos. A empresa prometia revolucionar o mercado de diagnósticos de saúde a partir de poucas gotas de sangue, de forma indolor, mais rápida e menos cara que as existentes.

Segundo a empresa, não seriam utilizadas mais agulhas, apenas seria necessária uma pequena picada na ponta de um dedo. O sangue colhido, que cabia dentro de uma pequena cápsula de 1,29 centímetro de altura, poderia dar acesso de 120 a 250 tipos de testes de diferentes doenças.

Colhido o sangue, a amostra seria introduzida dentro de uma máquina chamada Edison (em homenagem ao inventor Thomas Edison), que faria todo o processo de forma automatizada com uma tecnologia própria. O projeto chamou atenção dos grandes engenheiros de Palo Alto, na Califórnia.

Elizabeth Holmes na capa da revista Forbes, em 2014.

Holmes objetivava alongar a expectativa de vida da população, uma vez que doenças de alta seriedade seriam descobertas logo no início de seu curso. A ideia agitou o Vale do Silício e estimulou o otimismo do mundo inteiro para com o setor, que era concentrado em apenas duas empresas nos Estados Unidos.

A companhia angariou grandes volumes de recursos. Logo no início das operações, Holmes conseguiu o primeiro milhão de dólares de um investidor e inaugurou o laboratório. De 2004 a 2014, o capital social da empresa saiu de US$ 6,4 milhões para US$ 400 milhões e, após um último aporte de um investimento de private equity, chegou a ser avaliada em US$ 9 bilhões, mesmo sem abrir capital na Bolsa de Valores (muito pelo fato de não haver a necessidade de prestação de contas a acionistas minoritários a cada trimestre). A fundadora, que detinha 50% de participação na empresa, valia US$ 4,5 bilhões aos 30 anos de idade. Ela era chamada de “a nova Steve Jobs“.

No entanto, aos poucos, tudo desmoronou. Alguns dos funcionários da empresa, depois de serem desligados das atividades, vieram à público e desmentiram o que Holmes prometera. Segundo eles, o Edison não era produzido em larga escala, tampouco possuía uma tecnologia própria – era copiada de concorrentes, além de ainda trazer resultados extremamente inconclusivos. Além disso, eram necessários ao menos três frascos de sangue para a máquina supostamente realizar 15 tipos de testes diferentes. Informações essas conflitantes com o que a CEO dizia, tanto em quantidade de amostra sanguínea necessária como na amplitude da tecnologia.

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Logo depois, John Carreyrou, jornalista do jornal norte-americano “The Wall Street Journal”, se incomodou com a quantidade de segredos de Holmes e resolveu pesquisar sua história. Ele descobriu que, de fato, a tecnologia não existia e vários dos testes utilizados como exemplo eram forjados. Em 2018, Carreyrou lançou o livro Bad Blood: Secrets and Lies in a Silicon Valley Startup (Sangue Ruim: Segredos e Mentiras de uma Startup do Vale do Silício, em tradução livre, sem edição no Brasil).

No mesmo ano, Holmes foi formalmente acusada de fraude, e as atividades da Theranos foram encerradas pela SEC sem qualquer valor de mercado.

OGX

Por fim, um caso brasileiro. A OGX, negociada sob o ticker OGXP3, era uma das empresas do magnata brasileiro Eike Batista, que chegou a ser um dos homens mais ricos do mundo.

A companhia operava no ramo de petróleo e gás, e na época realizou a maior oferta pública inicial de ações (IPO) da história da Bovespa, captando mais de R$ 6 bilhões, a maioria de estrangeiros.

Eike disse que a empresa se tornaria uma “mini-Petrobras”, mas com apenas uma grande diferença: enquanto a estatal petroleira à época enchia 2,8 milhões de barris de petróleo por dia, a OGX não havia sequer extraído uma gota da commodity. O empresário chegou a dizer que “sabia ver diamantes não polidos”.

As ações da OGX chegaram a ser cotadas entre R$ 250 e R$ 1.700, quando ainda eram destinadas a apenas investidores estrangeiros. Após um desdobramento de ações, os papéis da companhia chegaram a custar R$ 2,50 durante a crise dos subprime, mas atingiu sua máxima de R$ 23,37 em 15 de outubro de 2010.

Eike Batista.

No entanto, pouco tempo depois, ruídos começaram a surgir. Após um relatório da DeGolyer & MacNaughton, as estimativas de reservas de barris de petróleo da OGX passaram a ser questionadas. A companhia dizia ter US$ 800 bilhões estocados em 10 bilhões de barris.

O documento, que veio à público em 2011, demonstrou que, na verdade, a empresa possuía apenas 102 milhões de barris com viabilidade comercial.

A menor produção nos poços de petróleo, as inconsistências das justificativas da direção da companhia, o fracassado “empréstimo” de US$ 1 bilhão que Eike prometeu à empresa e a não satisfatória reestruturação das dívidas da companhia culminaram em seu fim.

A então blue chip, que chegou a ser mais negociada que a Petrobras (PETR4) e Vale (VALE3) e compor uma grande parte do índice Ibovespa, viu o valor de suas ações cair para até R$ 0,03. Essa é talvez a maior fraude da história da Bolsa de Valores brasileira.

Jader Lazarini

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