A Argentina vai declarar mais um default?

Após as eleições do dia 28 de outubro, Alberto Fernández foi eleito o novo presidente da Argentina. Com mais de 48% dos votos válidos, o peronista, que terá a ex-presidente Cristina Kirchner como vice nos próximos quatro anos, assumirá o comando de um país em completo caos econômico.

Ao final de agosto, a inflação da Argentina chegou a 30% no acumulado do ano. Se considerarmos os 12 meses anteriores, o aumento dos preços foi de 54,5%. Uma das maiores taxas de inflação do mundo.

Além disso, com a conclusão do segundo trimestre deste ano, o Produto Interno Bruto (PIB) acumulava uma queda de 2,5% no ano. Não obstante, segundo dados do Indec, instituto de estatísticas do país, a taxa de desocupação da população era de 10,1% ao final de junho. Um caso típico de estagflação: recessão econômica com inflação elevada.

Após o dia 10 de dezembro, quando assumirá o cargo mais importante do país vizinho, Fernández terá um dilema em suas mãos. Durante seu mandato, o ex-presidente Mauricio Macri fechou um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para captar US$ 57,1 bilhões (cerca de R$ 215,5 bilhões) cuja restituição começaria a partir de 2020. Um valor enorme, se pensarmos que o montante calculado para a reconstrução da Venezuela é de cerca de US$ 40 bilhões.

No entanto, a atual situação econômica da Argentina é tão complicada que não permite a realização dessa operação.

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No final de agosto deste ano, o ex-ministro da Fazenda, Hernán Lacunza, solicitou ao FMI e todos os credores privados um adiamento no pagamento das parcelas da dívida. Segundo ele, o país passava por “dificuldades de liquidez”.

Já no dia 26 do mês passado, Fernández recusou a última parcela do empréstimo, de US$ 11 bilhões. Além disso, dias antes já havia informado a Kristalina Georgieva, diretora-executiva do FMI, que em busca de um “plano econômico sustentável” não haverá mais “ajustes ficais”.

Dessa forma, especialistas discutem a possibilidade de mais um default da segunda maior economia da América do Sul. A Argentina já esteve nessa mesma situação anteriormente, quando em quatro oportunidades diferentes nos últimos 37 anos descumpriu com suas obrigações.

O que é um default?

Um default é a violação de acordos pré-estabelecidos, e acontece na maioria das vezes quando a dívida deixa de ser paga por um devedor, seja por falta de condições financeiras ou por iniciativa do próprio. O maior default de uma nação já registrado aconteceu na Grécia, quando deixou de arcar com US$ 138 bilhões em dívidas em 2012.

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Além disso, o default ocorre não somente quando a dívida deixa de ser paga, mas também quando o devedor procura alterar os prazos estabelecidos, as garantias e os juros do empréstimo. Ou seja, a tentativa de prorrogar o pagamento da dívida também é considerada um calote.

Essa situação pode trazer consequências para ambas as partes. Para o devedor, caso seja estatal, o default faz com que o país perca credibilidade no mercado de crédito, afastando investidores internacionais e piorando as condições de quitação da dívida.

Para os credores, não é diferente, se não, pior. O valor pode nunca ser ressarcido. Além disso, existe o impacto negativo sobre o fluxo de capital e capacidade financeira, perdas contábeis e o acionamento de seguros contra calotes.

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Um agravante desse processo é a necessidade de financiamento interno dessa dívida, recorrendo à emissão de títulos do Tesouro. Quando o país suspende o pagamento desses títulos, acontece o default soberano, mais conhecido como moratória. No entanto, isso pode acontecer (novamente) com a Argentina?

Risco Argentina

No que tange a possibilidade de um não pagamento da dívida por parte da Argentina, os cenários e possibilidade são variáveis.

Segundo Roberto Lampa Conicet, professor no Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas, de Buenos Aires, “é muito provável que haja um descumprimento dos compromissos junto ao FMI, dadas as graves violações do acordo firmado com o fundo que foram cometidas e toleradas durante o governo Macri”.

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Portanto, segundo ele, os economistas argentinos estimam que existam duas possibilidades em torno do que Fernández poderá fazer:

  • A reestruturação da dívida, mais tempo e dinheiro para pagar aos mercados internacionais
  • Reestruturação total do valor e solicitação de resposta imediata do FMI

Ambas as opções “levariam a uma negociação mais longa, mas daria mais liberdade ao governo”. “Recentemente, Alberto Fernández anunciou que não deseja mais dinheiro do FMI, o que indica que ele optaria pela segunda possibilidade”, diz Conicet.

Ainda segundo o professor, Fernández deve manter “fortes restrições ao mercado de câmbio“, uma vez que a inflação desenfreada tem uma origem puramente cambial e que a busca pelo crescimento econômico virá por meio de “aumento de salários e subsídios, via consumo”.

Reflexo nos negócios

Segundo o especialista em renda variável da SUNO Research, Felipe Tadewald, a situação da Argentina, de fato, gera muitas incertezas. Entretanto, como a economia do país vizinho mostra-se fraca há bastante tempo, “a tendência é que ocorra uma redução do ritmo de desaceleração e até um efeito positivo no curto prazo”.

“No quatro trimestre, por exemplo, já vemos uma leve melhora na produção automotiva e uma redução na queda das vendas e produção de veículos em relação aos meses imediatamente anteriores, quando a produção chegou a retrair mais de 40% na comparação anual”, disse Tadewald.

Segundo o especialista, “isso tende a representar um certo alívio para empresas automotivas brasileiras, como Metal Leve (LEVE3), e também exportadoras de aço, como a Gerdau (GGBR4)”.

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Ainda segundo Tadewald, companhias de outros segmentos de atuação creem que o mercado argentino tende ser recuperar, mesmo que gradativamente, como a CVC (CVCB3), Grandene (GRND3) e Unipar (UNIP6).

Para isso, “é necessário que o Fernández encontre um denominador comum com os diretores do FMI e que os pacotes econômicos propostos pelo novo governo sejam efetivos na prática”.

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Jader Lazarini

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